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29 de abril de 2025
O que a Psicologia e a Filosofia ensinam em relação a Traíção?

A traição nos relacionamentos é um fenômeno complexo e multifacetado que toca em questões profundas da psique humana, envolvendo aspectos de fidelidade, insegurança, desejo, identidade e muitas vezes, uma crise de valores e de intimidade. Quando pensamos em traição, muitas vezes imaginamos um ato físico, como um caso extraconjugal, mas, na psicologia, a traição pode se manifestar de diversas maneiras — desde o afastamento emocional até a quebra de confiança por meio de mentiras e segredos. Para entender melhor a traição, podemos recorrer a diferentes correntes da psicologia e também a pensadores clássicos, como Freud e Jung, para examinar as camadas psicológicas e emocionais que sustentam esse comportamento.


Freud e o Desejo Inconsciente


Sigmund Freud, o pai da psicanálise, abordou a questão da traição em termos de desejos inconscientes e repressão. Para Freud, a sexualidade humana é moldada por impulsos inconscientes e muitas vezes contraditórios. O desejo de traição pode estar profundamente enraizado em desejos reprimidos ou inconscientes, que não são expressos de forma direta ou saudável no relacionamento.


Em seus estudos, Freud enfatizou que os seres humanos possuem desejos ambivalentes — a luta entre o impulso sexual e os tabus sociais que regulam esse comportamento. O ato de trair poderia, sob uma ótica freudiana, ser visto como uma tentativa do indivíduo de satisfazer esses desejos reprimidos sem lidar com as consequências emocionais imediatas. A traição se torna, assim, uma maneira de lidar com tensões internas não resolvidas, algo que ocorre muitas vezes de maneira inconsciente.


Exemplo prático:


Uma pessoa que sente que não pode se expressar plenamente dentro do seu relacionamento, seja em termos de desejo sexual, de afeto ou de necessidade de liberdade, pode procurar fora da relação uma válvula de escape. Esse comportamento pode ser impulsionado por conflitos internos que nem sempre são percebidos pela pessoa. O inconsciente cria uma forma de atender a necessidades não atendidas dentro da relação, sem que a pessoa tenha plena consciência disso.


Jung e a Sombra: A Traição como Manifestação da Sombra


Carl Jung, discípulo de Freud e criador da psicologia analítica, introduziu o conceito de "sombra", que se refere à parte da psique humana que contém os aspectos reprimidos e ocultos de nossa personalidade. A sombra pode incluir tanto características negativas quanto positivas que não conseguimos integrar à nossa consciência. No contexto de um relacionamento, a traição pode ser vista como uma manifestação dessa sombra. Quando alguém trai, pode estar projetando suas necessidades e desejos inconscientes, que não foram plenamente integrados na sua personalidade, em outra pessoa.

Para Jung, a sombra não é algo necessariamente ruim — ela é uma parte importante de quem somos, mas que precisa ser confrontada e integrada de forma consciente. A traição, portanto, poderia ser vista como uma tentativa de escapar da dor de integrar essas partes de si mesmo, buscando o que está oculto ou não reconhecido em um relacionamento atual.


Exemplo prático:


Uma pessoa que tem uma "sombra" em relação à sua própria sexualidade, sentimentos de inadequação ou até insegurança sobre sua identidade no relacionamento pode projetar esses sentimentos em um parceiro extraconjugal, procurando preencher uma lacuna emocional que não foi reconhecida dentro de si. A traição, assim, se torna um reflexo da incapacidade de lidar com os próprios aspectos da personalidade.


A Filosofia Existencial: O Significado da Traição


Os filósofos existencialistas, como Jean-Paul Sartre e Søren Kierkegaard, focam na liberdade individual, na responsabilidade e na angústia existencial. A traição, sob essa ótica, pode ser vista como um grito de liberdade em face das restrições do relacionamento ou da pressão social. No entanto, essa liberdade é, paradoxalmente, acompanhada de uma imensa responsabilidade. A traição não é apenas um ato egoísta, mas uma escolha existencial que resulta em sofrimento e culpa, uma vez que o traidor não pode escapar de sua responsabilidade pela dor e pela destruição que causou.


Sartre, em particular, discute a ideia de que o ser humano está "condenado à liberdade". Isso significa que, ao fazermos escolhas, estamos constantemente nos definindo, mas também nos condenando. Quando alguém trai, essa liberdade de escolha é simultaneamente um ato de alienação do compromisso e da sinceridade no relacionamento. A traição, nesse caso, não é apenas uma fuga da relação, mas uma tentativa de se libertar da expectativa de fidelidade, embora essa liberdade traga consigo a culpa e o vazio existencial.


Exemplo prático:


Uma pessoa que sente que sua liberdade está sendo sufocada pelo compromisso com o parceiro pode começar a trair como uma forma de afirmação de sua própria identidade e autonomia. No entanto, isso ocorre a um custo emocional elevado — a pessoa, ao trair, também começa a enfrentar a angústia de suas próprias escolhas, vivendo um conflito interno entre o desejo de liberdade e a dor da transgressão. É muito comum sentir a perda da admiração pelo parceiro e pela parceira, pois carrega consigo a incapacidade de revelar tal situação. Algumas pessoas preferem terminar de maneira abrupta do que proseguir no relacionamento buscando apoio psicológico, pois o ato demonstra claro sentimento de indiferença do(a) conjuge.


Comportamentos que Podem Revelar Traições


A traição, seja física ou emocional, raramente é um ato isolado. Existem comportamentos e sinais que podem indicar a presença de uma traição, embora nem sempre sejam claros ou fáceis de identificar. Na psicologia, existem algumas pistas que podem sugerir que algo não está bem no relacionamento.

  1. Mudanças nos Padrões de Comunicação: A falta de comunicação ou a comunicação excessivamente secreta pode ser um sinal de traição. Isso pode se manifestar através da ocultação de informações, como respostas vagas ou evasivas sobre os planos e atividades pessoais.
  2. Afasta-se Emocionalmente: Quando um parceiro começa a se afastar emocionalmente, tornando-se menos disponível ou demonstrando menos afeto, pode ser um reflexo de um envolvimento emocional com outra pessoa. Essa "desconexão" pode ser uma defesa contra a culpa ou o medo de ser descoberto(a).
  3. Mudanças no Comportamento Sexual: Uma mudança significativa no comportamento sexual — seja um aumento repentino na libido ou uma queda acentuada — pode ser uma indicação de que algo está acontecendo fora do relacionamento. Às vezes, o parceiro que está traindo pode se afastar fisicamente por culpa ou, inversamente, tentar compensar com mais atenção sexual para ocultar a infidelidade.
  4. Justificativas e Culpa Projetada: Em alguns casos, o traidor(a) começa a projetar a culpa no parceiro(a), culpando-o(a) por não ser "suficiente" ou por não atender às suas necessidades. Isso é uma forma de defesa para minimizar a responsabilidade pelo comportamento próprio.
  5. Comportamentos Secretos ou Incomuns com a Tecnologia: A crescente utilização de dispositivos e redes sociais de forma secreta, como esconder, apagar mensagens ou trocas de fotos, pode indicar que a pessoa está tentando ocultar suas ações ou interações fora do relacionamento.

Algumas reflexões sobre a Traição


A traição nos relacionamentos é uma manifestação de uma complexa interação entre desejos inconscientes, necessidades não atendidas, conflitos internos e, por vezes, uma crise existencial. A psicanálise de Freud e a psicologia analítica de Jung nos ajudam a entender que a traição pode ser uma tentativa de fugir da dor interna ou uma expressão de partes de nossa personalidade que não conseguimos integrar de forma saudável. Filosoficamente, a traição pode ser vista como um dilema existencial sobre liberdade e responsabilidade.

Entender a traição como uma questão multifacetada — e não simplesmente como uma falha moral ou um ato egoísta — pode abrir caminho para uma reflexão mais profunda sobre o que leva uma pessoa a trair e como é possível lidar com os danos causados por essa transgressão, tanto no nível psicológico quanto relacional. A cura, neste contexto, requer não apenas o perdão, mas um trabalho de autoconhecimento e reconciliação com as partes de nós mesmos que buscam algo fora dos limites do que estabelecemos como fiel e verdadeiro.